segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Sempre juntos com a floresta

Projeto Garah Itxa: corredores etnoambientais na Amazônia brasileira” termina neste mês com o lançamento de um livro e um seminário em Porto Velho

Com a proposta de vincular conservação da biodiversidade e gestão territorial indígena, o projeto “Garah Itxa: corredores etnoambientais na Amazônia brasileira” chega ao seu final com a realização de um seminário e o lançamento de um livro, no próximo dia 27 de setembro, em Porto Velho.

A ideia do evento, que reunirá lideranças de diversos povos indígenas e representantes de diferentes instituições, é expor as atividades desenvolvidas nos três anos do Garah Itxa e refletir sobre os seus desdobramentos. A discussão será organizada em três mesas temáticas, conforme a composição estrutural do projeto: Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, Fortalecimento Institucional de Associações Indígenas, e Geração de Renda Sustentável e Povos Indígenas.

Após o seminário, haverá um coquetel para o lançamento do livro “Corredores Etnoambientais na Amazônia Ocidental– Principais resultados do projeto Garah Itxa – 2009-2012”, que traz a proposta do projeto, além das ameaças à floresta amazônica, as ações feitas pelos povos indígenas e seus aliados para frear essas ameaças, e os resultados das tentativas de se construir uma nova prática socioambiental na região.

O projeto Garah Itxa, que na língua do povo Paiter Suruí, significa “juntos com a floresta” atua nos corredores etnoambientais Tupi-Mondé e Tupi-Kagawahiwa, situados nas região que engloba o nordeste de Rondônia, o noroeste de Mato Grosso e o sul do Amazonas, e onde estão situadas 13 terras indígenas.

Seu objetivo é fortalecer os indígenas e suas associações em diversos temas para que possam participar de uma estratégia integrada de conservação baseada no conceito de corredores etnoambientais. Reconhecido no contexto da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), é uma espécie de aperfeiçoamento das ideias de corredores ecológicos e mosaicos de áreas protegidas.

Para Cloude Correia, coordenador do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) , “as políticas públicas de proteção da biodiversidade precisam de abordagens  mais amplas, em nível regional, e que os corredores etnoambientais integram as preocupações e experiências dos povos indígenas nas práticas e políticas de conservação e desenvolvimento sustentável”.

Os processos históricos de uso da floresta amazônica pelos povos indígenas contêm os elementos essenciais para a elaboração de políticas públicas de conservação. Existe uma correlação entre centros de alta biodiversidade e de alta diversidade cultural, que não é acidental, mas o resultado de séculos de uso sustentável de florestas tropicais.

“Agora a minha fala para o meu povo é que precisamos cuidar do território, que não é somente meu,  é das gerações futuras”, conta Almir Narayamoga Suruí, coordenador da Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí (Gamebey), sobre o processo desenvolvido pelos Paiter Suruí para realização do reflorestamento da Terra Indígena Sete de Setembro.

Wesley Pacheco, coordenador da Equipe de Conservação da Amazônia (ECAM), afirma que “a diversidade de problemas existentes na Amazônia em concorrência com a baixa capacidade local das entidades governamentais contribuem para acentuar os problemas ambientais. O projeto Garah Itxa na sua atenção aos processos de formação contribuem para adaptação das comunidades à realidade amazônica”

“No Garah Itxa, o fortalecimento das entidades indígenas contribuiu para a difusão e a troca de conhecimentos, tendo como consequência a sinergia entre os povos indígenas no contexto dos corredores etnoambientais”, explica Ivaneide Cardozo Bandeira, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

Os povos indígenas devem ser  líderes regionais de conservação, em vez de meros coadjuvantes nas políticas de áreas protegidas. O exercício desta liderança envolve a manutenção e o fortalecimento das suas práticas tradicionais, mas também requer formação e capacitação para atender às novas situações produzidas pelas dinâmicas de exploração de recursos naturais e grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia.

Durante os seus três anos de atuação, o Garah Itxa trabalhou no fortalecimento institucional de mais de vinte associações indígenas. Foram realizados cursos de capacitação nas áreas de Agente Ambiental Indígena, gestão territorial e ambiental,  atividades econômicas sustentáveis, entre outros, formando lideranças que trabalham para melhorar sua situação ambiental, política e cultural, e também capazes de identificar e denunciar a exploração ilegal dos recursos naturais dentro e fora de seus territórios.

O projeto contribuiu para o fortalecimento da UMIAB (União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira) que tem o papel de discutir sobre as questões de gênero nas políticas para povos indígenas, e para a conclusão de dois projetos de ecoturismo em terras indígenas para a geração de renda sustentável (TI Sete de Setembro e TI Nove de Janeiro).

O Garah Itxa também realizou o Diagnóstico Etnoambiental Participativo com Mapeamento Cultural da Terra Indígena Zoró, envolvendo uma série de oficinas, assembleias e reuniões ao longo dos últimos dois anos do projeto, e a elaboração do Plano de Proteção Territorial e Mapa de Riscos dos povos Jiahui, Paiter Surui e Pykahu-ga (Parintintin), contemplando as terras indígenas Sete de Setembro, Jiahui, Nove de Janeiro e Ipixuna.

O acordo entre a Terra Indígena Jiahui  e a Floresta Nacional de Humaitá, fundamentado no etnozoneamento participativo sobre o uso da área sobreposta entre elas é outro marco promissor, pois mostra que as entidades ambientalistas, indígenas e indigenistas podem trabalhar juntos para uma finalidade ambiental em comum.

O Projeto Garah Itxa foi financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), é executado por um consórcio de seis organizações brasileiras: Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí (Gamebey), Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e Conservação Estratégica (CSF Brasil), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Equipe de Conservação da Amazônia (ECAM) e Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).  

SERVIÇO
Evento: Encerramento “Garah Itxa: corredores etnoambientais na Amazônia brasileira”
Data: 27 de setembro de 2012
Horário: 8h às 18h – Seminário / 20h - Coquetel de lançamento do livro “Corredores Etnoambientais na Amazônia Oriental – Principais resultados do projeto Garah Itxa – 2009-2012”
Local: Centro Cultural de Formação da Kanindé -  Estrada da Areia Branca Km 14 - Porto Velho/Rondônia

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Muita luta e uma conquista em Boca do Acre


Terra Legal inicia regularização fundiária em Boca do Acre prometendo cerca de mil títulos de propriedade para agricultores e extrativistas.

Após décadas de luta, um momento histórico para os pequenos agricultores e extrativistas de Boca de Acre. No último dia 31 agosto, a Câmara de Vereadores do município do Sul do Amazonas sediou uma audiência pública sobre o início dos trabalhos do Programa Terra Legal para a regularização de 3.340 quilômetros de terras federais. A expectativa é que sejam entregues títulos de propriedade para cerca de mil famílias da região.

O programa pretende concluir até o final deste ano a regularização das Glebas Novo Axioma e Redenção. Depois seguirá para as áreas que o movimento social e as comunidades  forem indicando. “Trabalhamos para atender as demandas dos posseiros e agricultores”, explicou André Melo, Chefe da Divisão de Regularização Fundiária do Acre e responsável pela fiscalização do trabalho na região.

A SETAG foi a empresa contratada pelo programa para realizar o cadastramento, o georreferenciamento e a demarcação das áreas das glebas localizadas na região de fronteira com o Acre. Os futuros proprietários terão que identificar as divisas dos lotes com os seus vizinhos. “Nós vamos precisar do apoio dos líderes comunitários e envolvidos nessas glebas”, diz José Giovane da Silva,  coordenador geral do campo da SETAG.

Luzia Santos da Silva, representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS),  disse  que a audiência é fruto do trabalho do Fórum de Desenvolvimento Sustentável de Boca do Acre, instituído em setembro de 2011.  O primeiro debate proposto foi o seminário “Debatendo a Regularização Fundiária em Boca do Acre”, realizado em novembro, e onde estavam presentes INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ITEAM (Instituto de Terras do Amazonas), SPU (Secretaria do Patrimônio da União) e Terra Legal.

Na ocasião, Antônio José Braña, Coordenador Regional Extraordinário de Regularização Fundiária no Acre, descreveu em seu relatório a situação  fundiária atual das glebas do município, concluindo que o Terra Legal e demais órgãos governamentais têm uma dívida histórica com as famílias do lugar.

“Passamos três dias debatendo e fazendo uma agenda com cada instituição do governo. A reunião de hoje é uma vitória de cada um de nós, do seringueiro, do agricultor”, afirmou Luzia durante a audiência.

A coordenadora do Fórum também relembrou a história do despejo do KM 38 da BR-317, que aconteceu há 30 anos:  “Várias famílias tiveram suas terras tomadas. Mas com a luta conseguiram voltar e estão até hoje vivendo em cima dessa terra com o título definitivo. Isso porque se organizaram e lutaram. Então, a luta continua”.

Durante a audiência, Braña comentou sobre a história fundiária de Boca do Acre, desde os tempos da revolução acreana e da fundação da Vila Floriano Peixoto até o declínio da exploração da borracha: “Com a chegada do INCRA na década de 70, o órgão arrecadou vários títulos de terra dos seringalistas falidos e grileiros que foram repassados para os trabalhadores da seringa. Nessa época concedeu 661 títulos”.

O coordenador do programa também explicou que por falta de recursos financeiro e humano há 20 anos o INCRA não concede um título de propriedade em Boca do Acre. O Terra Legal, que trabalha em terras federais, com exceção das áreas de várzea, pertencentes à SPU, surgiu em 2009 para acelerar o processo de regularização fundiária na Amazônia Legal.

Conflitos pela terra

O caso do Seringal Macapá foi comentado durante a audiência. Em julho de 2009, uma ação de despejo removeu as mais de 100 famílias que viviam no lugar. Os posseiros, que passaram seis meses acampados às margens da BR-317, até uma decisão judicial devolver a terra para eles, pedem a desapropriação da área ocupada pela Fazenda Caçula e sua destinação para regularização fundiária dentro do Terra Legal.

Everaldo Vieira Melo, presidente da Associação de Produtores e Produtoras Rurais Agroextrativistas do Seringal Macapá (APRACEMA), e presente na Câmara dos Vereadores no dia 31, está há anos ameaçado de morte em razão da sua luta por essa terra.

 “Infelizmente, não podemos atuar em propriedades com título definitivo, mas podemos cobrar para que se julgue os processos de usucapião que vocês estão pleiteando a pelo menos uma década. Mas vamos fazer um ofício pedindo agilidade no processo”, comprometeu-se Braña, lamentando a ausência do Ministério Público durante a audiência

Maristela Lopes da Silva, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Boca do Acre, destacou o dia 15 de agosto do ano passado, quando mais de 300 produtores rurais e extrativistas acamparam na unidade local do INCRA para reivindicar a garantia de seus direitos fundiários e a proteção daqueles que vêm sofrendo constantes ameaças de morte por conta de conflitos agrários e tensões nas suas comunidades.

“Esperamos que não fique apenas na vinda do Terra Legal, mas que outros órgãos também venham regularizar as terras que lhe são competentes”, pede Maristela, enfatizando a urgência da demarcação da Terra Indígena Valparaíso do povo Apurinã: “Peço que seja definida logo a parte que pertence aos índios e que seja feita a regularização da terra dos ribeirinhos que vivem lá há 60, 70 anos”.

Antônio Apurinã, que este ano teve sua casa incendiada, explicou que “não existe conflito entre os índios e ribeirinhos e que o problema são os invasores que não respeitam a área e entram para retirar madeira e caça”.

A Coordenadora Regional da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) em Rio Branco, Maria Evanízia dos Santos, disse durante a audiência que “a constituição do Grupo Técnico (GT) para os estudos antropológicos da TI Valparaíso estava prevista para este ano mas deve ficar para 2013”.  

Além dessa, mais oito terras indígenas em Boca do Acre estão com processo de  demarcação paralisado há mais de 10 anos: Iquirema e Goiaba  (Jamamadi), Monte e Primavera (Apurinã), Lourdes (Jamamadi e Apurinã ) e São Paulino e Kaiapucá (Jaminawa).

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