segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Subsistema de saúde indígena e o desmonte das organizações indígenas no Sul do Amazonas


Por Marcelo Horta Messias Franco[1]



O colapso de organizações indígenas que se conveniaram com a FUNASA desde a criação dos DSEIS[2] hoje é tido como um fato consumado ao que muito se atribui a ‘inexperiência da gestão indígena’ ou mesmo ‘a falta de acompanhamento e capacitação’ pelo próprio órgão federal junto às Organizações.

O que pouco se discute é até que ponto decisões políticas de servidores públicos sem nenhum compromisso com a causa indígena e atos administrativos de caráter unilateral foram determinantes para o descontrole e conseqüente colapso das OI na Amazônia brasileira.

No caso da Organização dos Povos Indígenas do Médio Purus (OPIMP), da região sul do Amazonas, com a qual trabalhei como assessor pela Opan[3] durante um período de dois anos (2005-2007), o viés político-partidário da relação entre Coordenação Regional da FUNASA (CORE AM) e OIs ultrapassou os limites da insensibilidade e falta de tato da Fundação para com a diversidade cultural do mundo indígena, causando um impacto real na força política da OPIMP no âmbito regional, levando a crer que o “arranjo macro-político nacional” infelizmente não trouxe resultados satisfatórios para o Movimento Indígena, levando-o de encontro a grupos radicalmente contrários a seus direitos constitucionais.

Fundada em 1995 não sem o apoio de entidades como a COIAB[4] o CIMI[5] e a própria Opan, a Organização dos Povos Indígenas do Médio Purus, conseguiu se firmar como ponto de referencia para a população índia da calha do médio rio Purus, representando politicamente uma população de aproximadamente 5.000 pessoas residentes em 21 áreas indígenas e 82 aldeias das etnias Paumari, Apurinã, Jarawara, Jamamadi, Madihadeni, Suruwahá e Banawá.

A estrutura dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, quando implantada, através da publicação do decreto 3.156 de 27/08/99 e portaria 852 de 30/11/99 teve a OPMIP, já com alguma experiência administrativa e com uma ótima experiência como articuladora nas bases, como a natural candidata a assumir a gestão da saúde naquele distrito, muito embora a FUNASA do Amazonas tivesse tentado de vários modos impor uma ONG conveniada criada dentro do próprio órgão, o que foi prontamente rejeitado dentro do novo distrito.

No âmbito local, assumir o DSEI representou para a OPIMP pronta ascensão social para algumas de suas principais lideranças, uma verdadeira “virada de mesa” no nível das relações políticas e interétnicas dentro dos municípios de Lábrea, Canutama e Tapauá; a superação da imagem do índio como “freguês do patrão” para ocupar o posto de comprador e empregador, assinando anualmente convênios nas cifras de um a dois milhões de reais.

Os problemas gerenciais começaram a surgir a partir do momento em que a FUNASA, com uma má comunicação entre DSEI (Município) – CORE (Estado) e DSAI (Brasília) começou a prender as planilhas de prestações de contas das conveniadas causando danos absurdos a nível local, principalmente atrasos de pagamentos aos funcionários do convenio, dividas com fornecedores de combustíveis, alimentação e medicamentos. Os funcionários do convenio em Lábrea chegaram a ficar um período de oito meses sem receber seus salários, as falhas nos depósitos de seus direitos trabalhistas geraram multas para a OPIMP e posteriormente ações em série no fórum trabalhista da comarca de Lábrea.

A coordenação da OPIMP nesse período começa a travar uma verdadeira guerra de nervos com a Coordenação Regional da FUNASA em Manaus, dirigida pelo então coordenador Sr. Francisco Aires, cidadão que no final do ano de 2007 acabou exonerado após o divulgado “escândalo dos estagiários”.

Foi um período de intenso desgaste político em nada benéfico para as populações indígenas alijadas de seu direito básico pelo atendimento a saúde. Inúmeros casos de omissão, desperdício de dinheiro público, concessão de privilégios a parentes de funcionários e gente ligada às prefeituras foram denunciados pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena. Casos absurdos de óbitos nas aldeias por falta de recurso para remoção dos pacientes pareceram passar desapercebidos, índices de malária alarmantes e a estrutura conquistada em 99 totalmente sucateada sem previsão de renovação. Enquanto isso assistiu-se ao inchaço da folha de pagamento das prefeituras com o dinheiro público da saúde indígena contratando funcionários para ficar na cidade, sem função e outros absurdos mais.

A comunicação de que a OPIMP não seria mais a conveniada no DSEI médio Purus veio sem uma proposta de transição. A FADERH, uma ONG criada dentro da CORE AM não inspirava confiança, uma entidade desconhecida até então. Mais tarde descobriu-se que a pessoa que esteve em Lábrea para apresentar a “nova ONG” para os indígenas era sobrinho de servidor da CORE e que estava diretamente ligado ao caso dos estagiários...

Para a OPIMP não restou alternativa que não a derrocada, as dívidas a incredulidade. As dividas permanecem na casa dos duzentos mil reais contando com as condenações na justiça trabalhista. A penhora dos bens patrimoniais não foi efetuada. A OPIMP não teve condições de contratar um advogado. As parcerias se distanciaram e mesmo a coordenação foi dissolvida. Em resumo, a situação não foi resolvida e administração da saúde indígena continua péssima em 2009. No dia 08 de janeiro deste ano um grupo de lideranças indígenas organizou uma manifestação em Lábrea para cobrar da FUNASA a melhoria no atendimento, culminando no afastamento de alguns funcionários em nova mudança da chefia do DSEI agora dentro de uma perspectiva de autonomia financeira.

Não pretendo apresentar, nessa pequena nota o movimento indígena organizado simplesmente como ‘vitima’ e a FUNASA como ‘vilã’ no contexto apresentado mas, através deste, contribuir com o debate mais amplo onde se viu importantes organizações indígenas de alcance regional literalmente falirem, por conta da completa falta de compromisso e desorganização estatais, fator que acabou comprometendo os trabalhos que as Organizações Indígenas vinham realizando em prol das aldeias em relação à outras áreas importantes como: educação diferenciada, proteção dos territórios e meio ambiente o desenvolvimento sustentável e a valorização cultural. De fato, as grandes vítimas nesse período da historia indígena que foi o período das celebrações dos convênios com a FUNASA foram as populações das aldeias, sofrendo por descaso e omissão e sofrendo ainda mais pelo enfraquecimento de suas organizações representativas.

Textos de referência:

Aparício M, Van der Mark M. Avaliação do Convênio OPAN/FUNASA 2000-2007, Operação Amazônia Nativa Cuiabá , 2007;

Garnelo L, Sampaio S. As bases sócio-culturais do controle social em saúde indígena. Problemas e questões da Região Norte do Brasil. Cadernos de Saúde Pública 2003;
JORNAL A CRITICA. Polícia Federal indicia coordenador regional da Fundação Nacional de Saúde, Francisco Aires, por formação de quadrilha e peculato, Manaus AM em 03/09/2008 Ed. 2125

Organização dos Povos Indígenas do Médio Purus. Descaso e omissão de socorro pela FUNASA com a saúde indígena no médio Purus, Boletim Informativo da OPIMP, Lábrea, abril de 2006;
[1] Sociólogo, Instituto Internacional de Educação do Brasil
[2] Distritos Sanitários Especiais Indígenas
[3] Operação Amazônia Nativa
[4] COORDENAÇAO DAS ORGANIZAÇOES INDIGENAS DA AMAZONIA BRASILEIRA
[5] Conselho Indigenista Missionário

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