sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Zona de conflito


Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo foi à Boca do Acre discutir e buscar soluções para os conflitos de terra no sul do Amazonas

Por Maria Emília Coelho, assessora de comunicação do Programa Sul do Amazonas

“Quando cheguei em casa a primeira coisa que encontrei embaixo da minha porta foi um bilhete com a frase: eu vou te matar”. No dia 26 de setembro, durante a 383ª reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (CNVC), no município de Boca do Acre, o produtor rural e extrativista José Everaldo Vieira Melo fez um dramático relato que revela a violenta realidade vivida pelas lideranças comunitárias juradas de morte no sul do Amazonas.

O objetivo da audiência pública da CNVC foi reunir a sociedade civil e os órgãos governamentais para discutir e buscar soluções para os conflitos de terra dessa região amazônica cada vez mais pressionada pelo chamado Arco do Desmatamento. Os pequenos agricultores, extrativistas, e indígenas sofrem constantemente ameaças e agressões por denunciarem madeireiros ilegais, grileiros, e fazendeiros.

“A ausência do Estado é uma das causas dos conflitos agrários no meio rural”, disse o diretor operacional da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Acre, Alberto Paixão. O promotor de justiça de Boca do Acre, Armando Gurgel Maia, também culpou o governo federal pelo desmatamento e crimes ambientais que ocorrem na região citando o caso do Projeto de Assentamento Monte, localizado em Boca do Acre e Lábrea.  

“São assentamentos sem um mínimo de estrutura para se viver dignamente, não há saneamento básico. Essas pessoas acabam abandonadas no Monte. Endividadas, perdem suas terras. O lugar é inóspito e refugio de vários assassinos com 2,3,10 homicídios. Um lugar com alta violência no campo”, discursou indignado o promotor de Boca do Acre.

A representante do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), Luzia Santos da Silva, entregou aos membros da comissão o relatório intitulado “Conflitos Fundiários, Violência e Ameaça os Direitos Humanos no Sul do Amazonas”, e denunciou os pecuaristas que estão se apossando de terras públicas na região de Boca do Acre, município com o maior rebanho de gado de corte do Amazonas.

Seringal Macapá
Estamos lutando dia após dia, não queremos nada de ninguém, só um pedaço de terra para trabalhar e criar a família com dignidade. Ninguém quer terra para desmatar e virar fazendeiro, queremos um projeto de agroextrativismo. Queremos viver na floresta, explicou José Everaldo Melo, que é presidente da Associação de Produtores e Produtoras Rurais Agroextrativistas do Seringal Macapá (APRACEMA).

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a área do Seringal Macapá está sobreposta a um título de propriedade denominado Granada, ocupado pela Fazenda Caçula, do pecuarista Juarez Carlos Brasileiro. Em julho de 2009, uma ação de despejo removeu as 105 famílias que vivem no lugar. Todos tiveram que sair com a roupa do corpo. Cinco dias depois, quando voltaram ao assentamento, encontrarem suas casas e pertences queimados.


As cerca de 30 famílias do Seringal Macapá, que ocupavam as cadeiras do galpão da Paróquia de São Pedro Apóstolo na audiência pública da CNCV, reivindicam a desapropriação da área e sua destinação para regularização fundiária pelo Programa Terra Legal.

O Procurador Regional da República, José Elaeres Teixeira, sugeriu o agendamento de uma reunião extraordinária da comissão em Manaus para se esclarecer exatamente qual é a real situação fundiária dessa área: “A gente vê aqui um desencontro de informações entre os órgãos. Qual o encaminhamento que deve ser dado para esses trabalhadores rurais regularizarem suas terras? Da forma como está não vislumbro nenhum tipo de solução”.

O presidente da CNVC, o ouvidor agrário nacional Gercino José da Silva Filho, comprometeu-se solicitar a inclusão do  José Everaldo no Programa de Defesa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos e Minorias da Presidência da República (SDHM).

Gleba Água azul
Maurício Arza Gualasua é outro camponês ameaçado de morte na região do Sul do Amazonas. Ele é presidente da Associação dos Pequenos Produtores e Criadores Rio Azul (ASPECRA), criada em junho de 2010 para representar as 68 famílias que lutam pela reforma agrária do imóvel da fazenda Presidente Prudente, área pública denominada gleba Água Azul, no município de Canutama, KM 22 da BR-319.

Em dezembro de 2010, os fazendeiros Iris Fátima Pandovani de Andrade e seu esposo Wilson Garcia de Andrade contrataram policiais para perseguir os agricultores com ações criminosas como envenenamento dos roçados, incêndios de casas e ameaças de mortes. O crime foi denunciado pela comunidade e o reconhecimento dos suspeitos foi feito. Os 14 policiais militares ambientais de Rondônia se encontram presos hoje, mas os dois pretensos proprietários da área estão foragidos há mais de um mês.

Enquanto o caso segue na Justiça, uma viatura da Polícia Militar de Canutama ronda a área do Rio Azul duas vezes por semana com combustível comprado pela comunidade: “Durante a noite os cachorros latem e a gente se levanta. Já falei pro delegado sobre os doidos que estão indo lá atirar na beira do acampamento. Vai criando aquela tensão. As ameaças contra a minha vida continuam e eu continuo morando na área”, disse Maurício, que desde 2011 pede para ser incluído no Programa de Defesa da SDHM, mas ainda não foi atendido.

Segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil 2011, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lançado em maio deste ano, em todo o Brasil, o número de ameaçados em disputas fundiárias avançou 177%.  São 347 pessoas juradas de morte em 18 estados brasileiros. A maioria são indígenas, quilombolas, ribeirinhos, assentados, posseiros, pequenos agricultores, ou pessoas que apoiam suas lutas em defesa dos seus territórios.

De acordo com a CPT, o número de ameaçados no Amazonas cresceu 60% em 2011. Ao todo, 40 pessoas estão em risco de vida por causa de conflitos agrários, sendo 17 em municípios do Sul do estado. Em 2010, o número de ameaçados era 30. Sem contar os casos de conflitos e violência que ocorrem e não são devidamente notificados junto às autoridades oficiais. Desde 2007, ao menos oito pessoas foram mortas por denunciarem os crimes ambientais e de propriedade da terra no Sul do Amazonas.


Um comentário:

Vandre Fonseca disse...

Olá, Meu nome é Vandré Fonseca, sou repórter em Manaus, e gostaria de entrar em contato com vc, para conhecer melhor o programa que desenvolvem.
Gostaria de um e-mail ou telefone para fazer o contato:

vandrefonseca@gmail.com